Entre as irregularidades, está a emissão de notas frias.
Segundo MP-ES, cúpula de igreja integra organização criminosa.
A Receita Federal está cobrando da Igreja Cristã Maranata quase R$23 milhões por fraudes que resultaram em prejuízos ao cofre nacional. Também são alvo das infrações – já aplicadas – 10 membros de sua antiga diretoria, incluindo o presidente da instituição, Gedelti Victalino Gueiros.
A íntegra do documento produzido pelos auditores fiscais, a que o jornal A Gazeta teve acesso com exclusividade, aponta que entre as irregularidades praticadas está a emissão de notas fiscais consideradas frias por não ter havido a prestação do serviço ou venda da mercadoria, o que configura crimecontra a ordem tributária.
Há três semanas, os envolvidos no processo começaram a ser notificados sobre o arrolamento de seus bens – que é uma forma de garantia para a Receita. Isto acontece quando a dívida cobrada é de pelo menos R$ 2 milhões e totaliza 30% do patrimônio. Como os bens da Igreja Maranata são superiores a este percentual, ela ficou livre do arrolamento.
O trabalho dos auditores foi concluído no final de 2015 e logo após foi formalizada uma Representação Fiscal para Fins Penais. Os autos de infração, já emitidos e entregues, cobram, além dos tributos não pagos, as multas.
Segundo o relatório, um pequeno grupo detinha o poder na na Igreja Maranata. E foram eles os responsáveis pela prática de uma série de irregularidades. Diz ainda que os fatos caracterizaram “o intuito fraudulento do contribuinte em se eximir do recolhimento do tributo.”
É a primeira vez que a própria Igreja (instituição) é investigada, junto com outras 10 pessoas: pastores, ungidos, diáconos e seu presidente. Além disso, durante os procedimentos, um total de 10 empresas foram fechadas após a constatação das fraudes.
A investigação teve início em fevereiro de 2014. O alvo foram os anos de 2010 e 2011.
Foram analisados documentos da Igreja, de empresas e feitas diligências junto a fornecedores e prestadores de serviços.
Algumas empresas não foram localizadas, outras estavam com as atividades paralisadas, ou sócios e titulares não foram encontrados.
Também foram ouvidos depoimentos. Informações que reforçaram para os auditores “os indícios de que recursos foram desviados da Igreja Cristã Maranata a partir da utilização de notas fiscais frias em que não se provou a efetividade das operações nelas descritas”, diz o relatório.
A emissão destas notas frias ocorria a pedido do Presbitério – a cúpula da Igreja, à época – e era destinada a empresas cujos donos eram membros da instituição. “E o ciclo se fechava com o depósito dos valores nas contas correntes daquelas pessoas jurídicas, concretizando-se o desvio com os saques dos recursos e sua entrega a particulares”.
Outra constatação da investigação foi que o próprio estatuto da Igreja foi desrespeitado. Um exemplo é que ele proíbe que seus membros sejam sócios de empresas prestadoras de serviços.
De acordo com a Receita, a imunidade tributária concedida às igrejas não é “ampla e irrestrita”, mas destinada às finalidades essenciais da instituição religiosa. E pode perdê-la, como foi o caso da Maranata, se houver desvios. “Como foi constatado neste procedimento fiscal”.
STF negou recursos
Três recursos de pastores da Igreja Cristã Maranata foram negados, por unanimidade, pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Eles tentavam impedir a continuação do processo penal que tramita contra eles na 2ª Vara da Justiça Criminal de Vila Velha.
A denúncia partiu do Ministério Público Estadual – do Grupo de Atuação Especial de combate ao Crime Organizado –, em 2013. Segundo eles, uma organização criminosa atuava na Igreja praticando crimes mediante o desvio de dízimos e contribuições oferecidas pelos fiéis daquela comunidade religiosa.
A estimativa é de que foram desviados dos cofres da instituição mais de R$ 24 milhões. Os supostos crimes teriam sido praticados pela antiga cúpula da instituição, da qual faziam parte 19 pastores, todos denunciados. Dentre eles estava o fundador da instituição e presidente do seu Conselho Presbiterial, Gedelti Victalino Teixeira Gueiros.
A denúncia foi resultado de uma investigação divulgada por A Gazeta, com exclusividade, a partir de fevereiro de 2012.
Há ainda uma outra denúncia feita pelo Ministério Público estadual relativo a ameaças feitas à imprensa, fiéis da Igreja que denunciaram os fatos e até a uma juíza.
Os dois processos tramitavam em Vitória, onde chegou a ser realizada até uma audiência, mas a partir de uma decisão da Justiça Estadual, foram encaminhados para Vila Velha. Naquele município os trâmites foram reiniciados.
A denúncia foi confirmada novamente pelo Ministério Público Estadual e o processo está concluso para a decisão do Juízo da 2 ª Vara Criminal, que decidirá, novamente, se aceita ou não a denúncia.
Um outro processo foi aberto pela própria Maranata, quando surgiram as denúncias, contra dois de seus membros: o ex-vice-presidente Antonio Angelo Pereira dos Santos e o ex-contador Leonardo Meirelles de Alvarenga. A Igreja os acusava pelos desvios que apontava serem da ordem de R$ 2,1 milhões.
Em dezembro do ano passado, o Juízo da 8ª Vara Cível de Vitória, inocentou o vice-presidente das acusações feitas pela própria ICM, e condenou o contador.
Há ainda processos tramitando na Justiça Federal, inquéritos na Polícia Federal e na Alfândega, relativos a descaminho, evasão de receitas e lavagem de dinheiro relativos à compra de equipamentos no exterior sem a devida comprovação e envio de dinheiro para “os irmãos no exterior”.
Outro lado
Para a Igreja Cristã Maranata, não houve emissão de notas fiscais “frias”. Todos os pagamentos feitos pela instituição referiam-se a serviços que foram efetivamente prestados e bens que de fato foram adquiridos.
Este é o principal argumento de defesa contra o processo aberto pela Receita Federal. “Temos a comprovação de tudo o que foi pago”, assinala o advogado Rodrigo Francisco de Paula, que faz a defesa da Maranata e de sete dos dez investigados.
Contrários
Apesar de haver depoimentos no relatório produzido pelos auditores fiscais, de pessoas que assumem a emissão de notas fiscais frias a pedido do Presbitério da Igreja, o advogado mantém seu argumento.
“O ordenador de despesa paga as notas a partir da informação do que foi de fato recebido. Podem ter havido falhas, mas do ponto de vista da ICM há a comprovação documental e material. É o que conseguimos demonstrar, independente do que foi apontado pela Receita”.
A única exceção, declara o advogado, diz respeito às notas fiscais questionadas na ação movida pela Igreja contra o ex-vice-presidente, Antonio Angelo Pereira, e o ex-contador da Igreja, Leonardo Alvarenga. Os dois foram acusados de desviar R$ 2,1 milhões de dízimo recebido dos fiéis. “Só neste caso houve pagamento indevido”, acrescentou de Paula.
Inocência
Nesta ação, a Justiça estadual condenou o contador, e inocentou Antonio Angelo, com o argumento de que não haviam provas suficientes de sua participação e de que algumas assinaturas em documentos não se comprovaram serem dele.
Segundo o juiz Manoel Doval, a Igreja também “não demonstrou interesse em descobrir quem autorizou os pagamentos sem assinatura ou com assinatura irregular, nem de acionar judicialmente quem também confessadamente teve participação no episódio que somou um prejuízo de quase R$ 1 milhão, conforme relatório da própria auditoria interna”, diz o texto da decisão.
O advogado diz ainda que a Maranata não é uma organização empresarial, e não adota uma série de rotinas de controle e pagamentos de despesas típicas das empresas. “A contabilização é muito mais simples.”
Imunidade
Afirma ainda que a imunidade da Igreja não foi totalmente suspensa, mas apenas em relação aos valores questionados pela Receita Federal. Informou ainda que as defesas já foram apresentadas e devem ser julgadas em 1ª instância, em prazo ainda não definido, mas que é possível haver recursos até em Brasília.
Os processos que tramitam na 2ª Vara Criminal de Vila Velha, informou o advogado Fabrício Campos, aguardam a avaliação do Juízo sobre a aceitação ou não da denúncia.
Com Jornal Contábil